Um novo olhar para a Qualidade Florestal

Historicamente, no setor de florestas plantadas, a qualidade sempre teve um enfoque maior no processo (silvicultura e manejo): avaliamos a profundidade do preparo de solo, a vazão dos bicos de pulverização e da adubadeira, o combate a formigas, se o espaçamento entre linhas e plantas está correto, se o clone recomendado foi realmente plantado, e por aí vai.

Nesse quesito, o setor avançou bem nas últimas décadas. Os processos de controle evoluíram e novas tecnologias foram adotadas, como a Silvicultura de Precisão, que usa o GPS e computadores de bordo para controlar melhor o processo de fertilização.

O controle da qualidade do processo é essencial, pois garante a conformidade em relação às recomendações e permite ajustes rápidos no campo. Porém, uma gestão da qualidade mais efetiva necessita de uma visão mais abrangente.

Geralmente, partimos da premissa de que a excelência dos processos vai garantir a qualidade do produto. Será que essa premissa é 100% correta?

Reflexões sobre a qualidade do processo

Podemos seguir à risca as recomendações técnicas no campo, mas como saberemos se nossas próprias recomendações de manejo também são eficientes e garantem a qualidade do produto? 

A experimentação tradicional pode responder essa pergunta, mas as vezes as respostas são urgentes e essa abordagem tem um tempo de retorno bastante longo. Nesse meio tempo, o contexto pode mudar (surgem novos materiais genéticos, padrões de espaçamento ou fertilização), o experimento pode passar por uma condição climática muito atípica ou ser danificado por fogo e pragas, o que inviabiliza o processo. 

É importante deixar claro que a experimentação tradicional não é um problema, pelo contrário: é uma base de extrema importância para gerar conhecimento e inovação. Mas, como diz o ditado, não podemos colocar todos os ovos em uma só cesta, e a outra cesta são os estudos observacionais¹, afinal, os plantios florestais são um verdadeiro laboratório a céu aberto! 

Outro ponto para refletir é o entendimento com mais detalhes sobre os desvios aceitáveis e seus impactos na qualidade da floresta. Será que todos os processos precisam ter mais de 95% de conformidade? Quais processos respectivos desvios têm maior impacto na produção? Será que o que realmente importa está sendo controlado? 

Para explicar melhor, é preciso entender que na outra ponta, tão ou mais importante quanto a qualidade do processo, está a qualidade do produto. No nosso caso, nosso produto é uma floresta bem formada que vai garantir uma produção eficiente de madeira ou outros produtos florestais.

Relacionar a qualidade do processo e produto parece ser simples, não? É só fazer o inventário florestal periodicamente e medir a qualidade do produto em termos de volume de madeira ou Incremento Médio Anual (IMA), e então é possível entender se a qualidade do processo está afetando a qualidade do produto, certo? Não é tão simples assim, e é justamente nesse ponto que há um importante desafio para avançarmos na gestão da qualidade florestal.

A questão é que, entre o processo (silvicultura e manejo, e nessa caixa coloco também a escolha da genética) e o produto (madeira, por exemplo) está o ambiente de produção. Nele, temos os componentes que também influenciam no produto, como solo, relevo, clima e as inconstantes condições meteorológicas (que ultimamente tomaram gosto por nos surpreender). 

E é justamente a variabilidade dos ambientes de produção que não permite que façamos inferências diretas entre qualidade do processo x qualidade do produto. 

A interação dessas duas pontas com o ambiente de produção (interação genótipo x ambiente e manejo) precisa ser considerada e ponderada. Essa é a chave para abrirmos as portas dos estudos observacionais, entendermos melhor as relações entre processo e produto e avançarmos na gestão da qualidade. 

Exemplo prático: foram plantadas algumas centenas de hectares em 2015 utilizando um pacote de fertilização “A” na Faz. Vista Alegre I e dois anos depois (2017) mais algumas centenas de hectares na fazenda vizinha (Vista Alegre II), com o pacote de fertilização “B”. 

As duas fazendas têm condições muito similares de clima solo, relevo e foram plantadas basicamente a mesma proporção de materiais genéticos. A fazenda Vista Alegre II obteve um IMA 30% maior do que a fazenda anterior. É possível assumir que essa diferença ocorreu somente em função da troca do pacote de fertilização? 

A resposta é não, porque as duas fazendas passaram por condições meteorológicas distintas. A fazenda II pode ter tido maior disponibilidade hídrica (chuvas), por exemplo, e a diferença pode ter ocorrido por conta disso e não por causa da fertilização. 

Avaliar causa e efeito não é tarefa tão simples. Mas por mais que as interações sejam complexas, hoje, graças a cientistas florestais fora de série e uma dedicada comunidade científica nacional e internacional, temos ferramentas e bases de dados que nos permitem avançar. 

Aqui na Geplant usamos a modelagem ecofisiológica (3-PG)² associada a mapeamentos espaciais (relevo, solo), monitoramento climático, sensoriamento remoto e o conceito de Yield Gaps³ para resolver esse “quebra-cabeça” e explorar mais os estudos observacionais.

Performance de manejo

Quando falamos em produção eficiente, precisamos avaliar a qualidade do produto não só pelo volume de madeira ou IMA, mas também pela razão do quanto se produziu em relação ao quanto se poderia produzir, dadas as situações de solo, relevo, clima e as condições meteorológicas correntes. Batizamos esse conceito aqui na Geplant de “Performance do Manejo”, que tem a grande vantagem de ser padronizado e nos permitir comparar diferentes ambientes, idades, épocas, entre outros. 

Depois que passamos a utilizar a Performance do Manejo como indicador de qualidade do produto liberamos uma “trava” para evoluir em uma gestão da qualidade florestal mais robusta e abrangente, entendendo as relações de processo x produto para identificar, quantificar e priorizar ações sobre os gaps de manejo. 

Essa abordagem nos possibilitou, por exemplo, entender de forma mais ampla a resposta na performance de materiais genéticos em relação a diferentes ambientes (interação genótipo x ambiente), com base em dados de áreas comerciais, permitindo avançar no posicionamento dos materiais genéticos em campo. Essa abordagem pode ser perfeitamente utilizada junto com resultados experimentais, dando maior amplitude e poder analítico para as recomendações de manejo. 

Além de tudo, a performance de manejo traz um ganho intangível bastante importante: nos faz conhecer e entender melhor as características e variações em nossos ambientes de manejo e suas relações com a produção. 

Em resumo, inovar é sempre preciso. E acreditamos no poder da ciência e da informação para evoluir na gestão da qualidade florestal, olhando mais para a qualidade do produto, sob a perspectiva da performance do manejo e avaliando as interações manejo x ambiente x produção. 

Mas para isso acontecer é preciso coragem para quebrar alguns paradigmas e se abrir para novos pensamentos. 

¹ Estudos observacionais são muito utilizados em diversas áreas, como a da saúde. Esse vídeo ilustra bem a diferença entre estudos experimentais e observacionais: https://www.youtube.com/watch?v=w1MTl5Ipebk 

² Saiba mais sobre o 3-PG: https://3pg.forestry.ubc.ca/ 

³ Rabbinge, R. (1993). The ecological background of food production. In Crop protection and sustainable agriculture. 

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