Por José Henrique Tertulino Rocha – Gerente de Produtos e Inovação da Geplant
Nunca foi muito claro para mim a origem do E. urophylla. Quando analisamos um plantio do clone AEC 0144, mesmo nas idades mais avançadas, ele possui casca lisa, especialmente na porção superior do fuste. Mas ele está registrado como um material “puro” de E. urophylla. Em contrapartida, tudo que lemos sobre o E. urophylla fala que ele tem casca grossa. Na coleção do Dr. Edmundo Navarro de Andrade, no Horto de Rio Claro, o E. urophylla possui casca bem grossa, e não tem nada a ver com o clone AEC 0144.
Figura 1. Mesmo levando em consideração a grande diferença de idade, a árvore da foto à direita parece não ser a mesma espécie da árvore da foto à esquerda.
Em um dia de campo com o professor Mário Ferreira no Horto de Itatinga, ele comentou que o que trouxemos para o Brasil foi uma variação do E. urophylla, chamado de E. platyphylla. O professor Leonardo sempre falou de uma interação com um tal de E. alba (o urophylla de casca lisa). Nunca entendi direito, e também não fui curioso o suficiente para pesquisar mais.
Na semana de Imersão da Geplant, um dos desafios que nos foi passado foi compreender melhor a espécie cujo o carro foi batizado. O destino (ou a Thaís) me presenteou com o carro E. urophylla. Então resolvi entender de vez essa história. Contei com o apoio do Admir para a escolha das fontes de informação, e está descrito abaixo qual espécie realmente plantamos com o nome de E. urophylla.
Origem e características
O E. urophylla ocorre naturalmente na Indonésia (e não na Australia), onde possui o nome popular de ampupu. Ocorre especificamente nas ilhas de Flores, Adonara, Alor, Pantar, Lomblen, Wetar e Timor (Martin e Cossalter, 1975). Como essas plantas ficaram isoladas nessas ilhas, a evolução selecionou características um pouco distintas nas diferentes ilhas, assim como os tentilhões de Darwin. Em algumas ilhas, as plantas se diferenciaram mais e Pryor (1995) sugeriu a divisão em 3 espécies. Ele chamou de E. orophyla o E. urophylla da ilha de Timor, E. wetarensis o E. urophylla da ilha de Wetar e ficou como E. urophylla as árvores das demais ilhas. Apesar da separação de espécies feita pelo Pryor (1995), não encontrei nenhum trabalho chamando o E. urophylla de E. orophyla e E. wetarensis. Como não afeta em nada o desenrolar desse texto, vou continuar chamando de E. urophylla independente da ilha de origem.
Apenas como curiosidade, o E. urophylla se assemelha muito com o E. pellita e o E. resinifera. Essas três espécies eram conhecidas pelos ingleses como Red mahoganies, ou mogno vermelho, e foram muito exploradas.
Na região de origem, o E. urophylla é uma árvore de grande porte, atingindo mais de 50m de altura, que domina as florestas altas, possui tronco reto, casca fibrosa escura (igual ao da coleção do Navarro) e folha lanceolada.
O E. alba é uma arvoreta de pequeno porte, com tronco tortuoso, característico de crescimento simpodial, casca lisa e branca e folhas mais arredondadas. Ocorre na região das savanas, nas mesmas ilhas de ocorrência do E. urophylla, porém com abrangência maior, ocorrendo também na Austrália.
Nas regiões de transição savanas x florestas altas, apesar de não ser tão comum (época de floração e zona ecológica diferentes), pode-se encontrar híbridos naturais de E. urophylla e E. alba. Essa hibridação é mais frequente no Timor Leste. Esses indivíduos híbridos comumente apresentam o porte do E. urophylla e as folhas e casca do E. alba (familiar, não?).
Além disso, em uma expedição feita por Martin e Cossalter (1975) ao arquipélago, observaram que o padrão de casca do E. urophylla muda com a altitude, esse fato ficou mais evidente na Ilha de Flores. Nesta ilha, o E. urophylla ocorre desde 450 até 1000 m de altitude. Nas áreas mais altas, as árvores apresentam casca fibrosa e escura em 100% do tronco. Abaixo dos 600 metros, a porção superior do tronco apresenta casca lisa e aos 450 m de altitude, quase todo o tronco apresenta casca lisa. Esse padrão de casca lisa nas áreas mais baixa (área de contato com o E. alba) pode ser resultado da introgressão do E. alba na população de E. urophylla após centenas de gerações.
A confusão dos nomes, não sou só eu!
O E. urophylla foi classificado incorretamente em vários locais onde foi introduzido. Os holandeses distribuíram o E. urophylla como E. alba e o E. alba, foi plantado em vários locais como E. platyphylla (o que está ainda mais errado, pois esta é uma espécie exclusiva da Australia). Além disso, diversos trabalhos científicos, especialmente da Austrália, chamavam o E. urophylla de E. decaisneana até 1972, quando Pryor padronizou a espécie como E. urophylla.
No Brasil, o E. urophylla introduzido no horto de Rio Claro foi indevidamente chamado de E. alba. Acredita-se que essa confusão ocorreu, pois nesta introdução deve-se ter trazido sementes hibridadas naturalmente com o E. alba. Como não se sabia ao certo o que era, popularizou-se chamar de “alba do Brasil”, ou “E. alba de Rio Claro” (Martin e Cossalter, 1975). Esse material apresentava alta produtividade e resultou no plantio de mais de 200 mil ha na FEPASA. Quando o Pryor veio ao Brasil (1971) ele identificou que esses plantios eram resultados da hibridação não controlada do E. urophylla (fonte de semente – que já era provavelmente um híbrido com E. alba) com E. tereticornis, E. robusta, E. saligna e outras espécies.
Esse sistema de produção de sementes resultou em problemas de endogamia e autofecundação, o que culminou em perdas de produtividade e vigor após algumas gerações. Devido a esses problemas, na década de 1970 foi feita uma nova introdução, agora com critérios bem estabelecidos, onde foram formadas as populações bases de diversas procedências que deram origem aos clones que plantamos hoje. Dessa forma, a genética de E. urophylla que usamos hoje, em sua grande maioria, não vem da introdução de Rio Claro, e sim da nova introdução feita na década de 1970. Mesmo nessa nova introdução, as sementes de algumas procedências podem ser oriundas de híbridos naturais de E. urophylla com E. alba.
O famoso AEC 0144
O clone mais plantado no Brasil hoje, sem dúvida é o AEC 0144. Da base de plantios de eucalipto da Geplant, 36 % é com esse clone.
O Clone AEC 0144 foi selecionado a partir de um plantio comercial em Itamarandiba, MG plantado em 1986. A seleção foi realizada em 1990, quando plantio estava com 4 anos. As sementes que deram origem desse plantio são da APS 1981, instalada em Turmalina MG. A procedência da APS é Timor, ou seja, há grandes chances desse material trazido para o Brasil seja de uma hibridação o E. urophylla com o E. alba. Isso porque o material apresenta o porte do E. urophylla e as características de folhas e casca do E. alba (Silochi et al. sd).
O AEC 0144 está registrado no RNC como E. urophylla, mas é considerado um híbrido espontâneo. Talvez isso explica a plasticidade e o sucesso desse clone, pois ele é o cruzamento de uma árvore de grande porte de uma floresta úmida de altitude, com uma espécie da savana.