Projeções de produção de madeira: por que é difícil acertar os estoques futuros?

Projetar a produção de madeira tem uma importância estratégica dentro dos negócios e indústrias florestais. É a base de importantes tomadas de decisão que terão reflexos no médio e longo prazo das empresas.

Mas a tarefa de determinar a produção futura tem sido cada vez mais desafiadora e isso tem impacto direto na previsibilidade do abastecimento industrial e/ou retorno sobre os investimentos.

Para entendermos melhor esse desafio, é importante entendermos as bases do método mais utilizado hoje para a projeção em nível de povoamento: as curvas empíricas de crescimento. Geralmente, elas são derivadas de dados de inventário em função da idade, índice de sítio, densidade de plantas, entre outros.

Esse método começou a se popularizar em meados dos anos 60/70, com o avanço da computação e maior disponibilidade de dados de inventário, que tornou possível trabalhar melhor com os modelos não-lineares.

Esse modelo sempre funcionou bem para as florestas de ciclo longo e crescimento lento. E passamos a utilizá-lo em nossas “fast-growing plantations” que, com o bem conhecido desenvolvimento da silvicultura no Brasil ao longo das décadas, apresenta hoje ciclos de 5 a 7 anos para o eucalipto.

Pois bem, esse é um dos pontos principais para entender por que nem sempre as projeções funcionam tão bem, especialmente nas condições de ciclo curto, rápido crescimento e maiores oscilações climáticas. E uma das principais explicações está na conhecida influência das condições meteorológicas no crescimento das florestas.

De forma resumida, as curvas de crescimento assumem que, com uma ou mais medições da floresta no tempo, comparadas com as curvas de referência, conseguimos capturar a interação da capacidade de produção do sítio com a genética das árvores, e o crescimento no futuro segue um ritmo uniforme. No entanto, sabemos que o ritmo de crescimento anual das florestas não é nada uniforme.

Exemplo da construção e uso de curvas de crescimento (Hdom em função da idade), com diferentes modelos, para a região de Campos Gerais no Paraná (Retslaff et al, 2015)

Oscilações climáticas X Crescimento

Uma das razões do método funcionar bem para florestas de crescimento lento é que os intervalos de medições são espaçados o suficiente para diluir anos atípicos. Uma floresta com ciclo de 80 anos, por exemplo, pode ser medida a cada 10 anos. Dentro do intervalo de 10 anos, anos mais secos são compensados por anos mais chuvosos e isso tende a representar melhor o “normal” do sítio.

Já no caso das florestas de rápido crescimento, monitoramos o crescimento das florestas em intervalos bem mais curtos (usualmente a cada ano), onde o incremento anual (ICA) é bastante dependente das condições meteorológicas vigentes. Isso faz com que o crescimento de cada ano tenha influência bastante forte na estimativa futura, especialmente nos primeiros anos.

Quando medimos uma floresta com 2 ou 3 anos e vamos projeta-la para 6, por exemplo, caso tenhamos condições meteorológicas mais favoráveis do que o normal nestes primeiros anos, os modelos vão replicar essas condições até o final do ciclo, ou seja, vamos considerar que o sítio é mais produtivo do que realmente é.

A mesma coisa vai acontecer para o oposto, ou seja, caso as condições meteorológicas sejam mais estressantes no início, vamos enviesar a estimativa para baixo.

Na figura abaixo, podemos verificar bem estes efeitos. Nela temos medições de inventário florestal periódicas (círculos pretos) e as respectivas curvas de crescimento.

No primeiro exemplo, a medição aos 3 anos indica que teríamos um IMA aos 7 anos de 51 m³/ha/ano (ou 360 m³/ha), já nas medições seguintes a projeção cai para 40 (aos 5 anos), 44 (aos 6) e termina em 40 m³/ha/ano (ou 285 m³/ha) aos 7 anos, ou seja, -20% da previsão inicial.

Isso ocorre porque até os 3 anos a floresta passou por condições meteorológicas melhores do que o normal, favorecendo o crescimento e superestimando as estimativas.

Já no segundo exemplo, ocorre o contrário. Com 3 anos, a projeção indica um IMA7 de 43 m³/ha/ano, que vai a 51 aos 5 anos e termina em 47 m³/ha/ano aos 6,5 anos (+ 9% da estimativa inicial). Ou seja, a floresta passou por condições mais restritas ao crescimento nos primeiros anos, o que se inverteu até os cinco anos e se normalizou no final do ciclo.

Notem que a oscilação do ritmo de crescimento é bem comum entre as medições, indicando os efeitos das oscilações climáticas.

O que pode acontecer nesses casos:

  • Estarmos passando por condições de produção acima da média e levar isso pro futuro, confiando em uma produção que dificilmente se concretizará, ou;
  • Estarmos passando por condições mais restritivas e, como os modelos vão projetar valores bem mais baixos, não acreditarmos nas estimativas e ficarmos sem uma “bússola”

Ressalta-se que, quanto mais anos atípicos tivermos no ciclo, maior será o impacto na previsibilidade, principalmente quando eles ocorrem em sequência, E isso é algo que estamos observando atualmente nas regiões sudeste e centro-oeste (disponibilidade hídrica abaixo do normal em 2019/2020/2021), por exemplo.

Cabe destacar que essa é uma restrição metodológica destes modelos, pois em sua base eles não consideram as oscilações naturais do clima. Ou seja, não é que os modelos não sirvam ou não sejam bons, mas, como todo modelo, tem suas limitações.

Acurácia X Precisão

Outro ponto importante nas projeções é assumir que, na maioria dos casos, buscamos mais acurácia do que precisão.

Explicando: a precisão das projeções naturalmente não vai ser alta, por dois principais motivos, 1) não sabemos como as condições meteorológicas e ocorrência de pragas e doenças vão se comportar no futuro e, 2) existem limitações da intensidade amostral do inventário contínuo em nível de talhão.

Ou seja, a precisão só vai aumentar quando estivermos mais próximos da idade de corte e vai estar limitada a intensidade do inventário contínuo.

Já a acurácia é mais afetada pela qualidade do modelo e suas limitações, como já discutimos acima. Ainda, a acurácia tende a ser maior quanto mais diversa for a base de plantio, em termos de regiões e idades.

Buscar acurácia é de suma importância para evitar o viés (super ou subestimativa, na prática: sobrar ou faltar madeira) e, com isso, ter melhores tomadas de decisão.

Abaixo, apresentamos um benchmarking que fizemos na Geplant com nossa ferramenta, o GPT, avaliando acurácia e precisão nas projeções.

Avaliação de performance das projeções do GPT em comparação com o Inventário Pré-Corte

Nesta análise, avaliamos o erro médio (que indica acurácia) e o erro absoluto (que indica precisão) entre o volume projetado pelo GPT e os resultados do inventário pré-corte (IPC), para 32.443 ha (1.569 talhões) em SP, MS, MG.
Os dados foram agrupados em classes de anos entre a projeção e o IPC.

Como esperado, o erro absoluto (precisão) decresce com a proximidade da idade de corte (ano 0 = inventário pré-corte) e o erro médio se mantem próximo a zero, indicando baixo viés e alta acurácia.

E você, conhece bem a acurácia e precisão dos modelos que utiliza?

Quando analisamos as projeções na escala da fazenda/projeto ou grupos de talhões com idades mais próximas, surgem mais algumas questões importantes.

A primeira delas é a sazonalidade.

Sazonalidade e momento da medição

A sazonalidade é outro ponto de atenção que temos que ter quando usamos os modelos tradicionais.

Quando avaliamos um grupo de talhões plantados em períodos próximos, a data da medição tem forte influência na projeção, especialmente em locais com estação seca bem definida (estamos falando em grande parte do Brasil).

Isso ocorre porque a floresta não cresce de forma uniforme ao longo do ano, e os modelos tradicionais não conseguem assumir essa premissa, pela própria natureza dos modelos.

Já sabemos que a floresta tem o crescimento mais ou menos acentuado em função da disponibilidade de água e condições de temperatura (MATTOS, 2015; CAMPOE, 2016; QUEIROZ, 2020). Em locais com sazonalidade climática bem definida, por exemplo, a floresta cresce mais na época das chuvas e tem um crescimento mais lento no inverno (seca).

Caso a floresta seja medida no final da época das chuvas, a tendência é de superestimar a produção projetada, principalmente partindo de idades mais jovens. Isso ocorre porque a medição é realizada no “pico” do IMA (conforme figura abaixo) e propaga essa condição até a data futura. Se a medição ser feita no final da época de seca, ocorre o inverso.

Exemplo de projeções realizadas a partir de medições no final da época seca (primeiro circulo preto) e final da época de chuvas (segundo círculo preto), em comparação com o crescimento real da floresta

Outro aspecto importante a ser considerado para áreas menores e com idades mais próximas é a própria acurácia, que comentamos mais acima.

A acurácia da projeção, nesses casos, geralmente é bastante afetada pelas incertezas futuras, visto que não sabemos como as condições meteorológicas e de sanidade vão se comportar no futuro.

Para atenuar essa questão, o que propomos aqui na Geplant foi conhecer e considerar essas incertezas futuras.

Para isso, escolhemos trabalhar com uma faixa de projeção (modelo probabilístico), ao invés de estimar um valor somente (modelo determinístico).

Dessa forma, estabelecemos os cenários mais provável (condições normais de clima), pessimista (condições mais estressantes) e otimista (condições mais favoráveis do que o normal), a partir da distribuição de probabilidade, conforme apresentamos na figura abaixo:

Projeção de produção realizada de forma a gerar valores mais prováveis e uma faixa de probabilidade, dependendo das possibilidades de condições climáticas futuras

Julgamos que isso seja de grande importância no planejamento florestal, principalmente para trazer:

  • Maior transparência sobre riscos na produção, entre gestores florestais e investidores/acionistas ou entre produtores florestais e empresas (nos casos de fomento).
  • Maior poder de análise de expectativas de retorno sobre o investimento florestal, com os respectivos cenários de risco
  • Planos alternativos (conhecidos como planos B, C…) de abastecimento, em caso de déficit ou excedente de madeira.

Quais são as soluções?

Apesar das incertezas e preocupações relatadas acima, o lado bom é que hoje temos cada vez mais disponibilidade de dados para caracterização e monitoramento dos ambientes de produção, assim como uma maior capacidade computacional.

E a ferramenta para trazer melhorias nessas questões é a mesma utilizada desde sempre: modelagem, seja por modelos empíricos, de inteligência artificial, processuais ou híbridos (particularmente, gostamos mais deste último).

No entanto, é preciso que os modelos assimilem, essencialmente, duas coisas importantes:

  • Como foram as condições de crescimento até a medição, em termos de condições meteorológicas e/ou ocorrência de desfolhas mais significativas. Isso nos permite entender se os plantios passaram por condições mais favoráveis ou mais restritivas do que o normal.
  • Como normalmente são as condições de produção do local (governadas por clima, solo, relevo e manejo), o que permite entender o ritmo normal de crescimento e as incertezas associadas.

Mas esse entendimento não pode ser aplicado de forma muito superficial, pois pode nos induzir a erros.
Por exemplo: considerar a precipitação total anual como variável que vai explicar se as condições estão mais favoráveis ou restritas ao crescimento. A precipitação anual pode ser maior do que a média, mas, se mal distribuída, não favorece o crescimento. E além da precipitação, temos a capacidade de retenção de água no solo, temperatura, umidade do ar, entre outros fatores relevantes.

Aqui na Geplant, utilizamos um conjunto de ferramentas, como a própria modelagem empírica, inventário florestal, sensoriamento remoto, modelagem processual (ecofisiológica) e modelos de inteligência artificial, para gerar processos de projeção robustos e que respondam as variações climáticas.

Acreditamos fortemente que uma evolução sólida de soluções para a gestão da produtividade florestal vem da convergência de diferentes técnicas e tecnologias, e não venham de um só método ou ferramenta.

REFERÊNCIAS

Fabiane Aparecida de Souza Retslaff e demais autores. Curvas de sítio e relações hipsométricas para Eucalyptus grandis na região dos Campos Gerais, Paraná. https://doi.org/10.1590/01047760201521021349

Eduardo Moré de Mattos. Caracterização da sazonalidade do crescimento do lenho, da copa e da eficiência do uso da luz em clones do gênero Eucalyptus. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/11/11150/tde-20102015-164358/publico/Eduardo_More_de_Mattos_versao_revisada.pdf

Otávio C. Campoe e demais autores. Meteorological seasonality affecting individual tree growth in forest plantations in Brazil. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0378112716304856

Túlio Barroso Queiroz. Amplitude de temperaturas ótimas para o crescimento de clones de Eucalyptus no Brasil e Uruguai. Disponível em: http://hdl.handle.net/11449/193047

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